sexta-feira, 25 de maio de 2012


Teoria dos dois mundos

        Platão tentou solucionar o problema dos pré-socráticos, em especial o deixado pela disputa entre Heráclito (que acreditava no movimento com o real) e Parmênides (que, desenvolvendo o "teoria do ser" dentro de um argumento lógico e ontológico) negava o movimento. Com a teoria dos dois mundos de Platão, o mundo inteligível e o mundo sensível, o problema estava aparentemente solucionado.
        Aristóteles de Estagira (384-322) aprendeu bem tal teoria na Academia, tendo se tornado o principal discípulo de Platão. Quando fundou sua própria escola, o Liceu, ele desenvolveu o ensino da filosofia de Platão e iniciou uma revisão crítica desta. Pois Aristóteles, paulatinamente, voltou ao problema da disputa entre Heráclito e Parmênides, acreditando então que a solução de Platão não havia sido suficiente.
        A idéia de que era ilusão que as coisas eram estáveis, como Heráclito defendeu, ou que a mutabilidade era uma ilusão, como Parmênides defendeu, pareceu a Aristóteles não poder ser solucionada pela linguagem platônica de que o mundo mutável (apreendido pelos sentidos) é uma imitação, uma cópia do mundo imutável (apreendido pela razão). Platão falou em mundo das formas e mundo material, sensível, como mundos distintos. Aristóteles manteve essa linguagem, mas localizou a forma e a matéria não em dois mundos de fato, mas como duas características da mesma realidade, e que eram distintas apenas no pensamento humano.
        Para Aristóteles, não cabia a idéia de que as formas eram causas das coisas materiais se, como Platão, admitíramos que a causa ficava em um mundo e a matéria, a coisa, noutro. As formas estariam no mundo tanto quanto as coisas. As formas estariam incorporadas nas coisas, no mesmo mundo, no mundo real, existente, visível. Aristóteles continuou dizendo, como Platão, que a forma era essencial, mas como natureza da coisa, se relacionando com as coisas não pela idéia de cópia e realidade, mas pela idéia de função.
        A matéria das coisas é a substância, como Aristóteles afirmou, e cada substância teria uma essência que seria mais ou menos sua forma, todavia, diferentemente de Platão, essência e substância não se separariam. Se fossem para ser separadas, e poderiam ser, segundo Aristóteles, é porque, no pensamento (e somente no pensamento), trabalhamos em um sentido de fazer abstrações, análises.
        Aristóteles, ao fazer essa virada na filosofia de Platão, redefiniu o papel do filósofo. Este passou a ser aquele que trabalharia com classificações, identificando nas coisas a essência, ou seja, as formas, e os acidentes, mas toda essa observação seria dirigida ao mundo sensível; o mundo, que é um só.
        O que Aristóteles disse foi que Platão não solucionou o problema da mutabilidade versus imutabilidade. Um objeto particular, disse Aristóteles, tem forma e matéria. Isso é uma substância, escreveu ele. Agora, cada substância conteria uma essência, grosseiramente, seria a forma. O filósofo seria aquele que pode, por pensamento, ir fazendo essa distinção e ir catalogando as coisas do mundo, dizendo o que nelas é essencial e o que nelas é acidental. O velho e clássico exemplo, que inclusive serviu durante muito tempo como doutrina, é o do homem: o ser humano, disse Aristóteles, deve ser racional, de modo que isto é parte da essência humana, enquanto que ter ou não cabelo é contingencial.
        Assim, contra o dualismo (ontológico) platônico, que ficou não só como uma característica da metafísica platônica, mas quase que como uma característica de toda metafísica ocidental, Aristóteles trouxe o pluralismo.
        O problema do movimento, em Aristóteles, foi equacionado de outro modo, em termos do que ele chamou de potencialidade e realidade. Cada coisa é em potencial outra, como a semente é em potencial uma árvore. Cada coisa muda na sua parte contingente, mas não na sua essência, de modo que cada coisa possui uma teleologia interna, que a faz entrar em movimento passando do que é potência para o que é ato real.
        A interpretação aristotélica do movimento foi, também, uma teoria causal a respeito do que ele chamou de substância. Assim, ele categorizou os tipos de causas; formais, materiais, eficientes e finais. Substância, para Aristóteles, tem forma e matéria, sendo que a forma é a essência, e esta, por sua vez, tem a ver com a causa formal. Por exemplo, se pensamos em contruir uma boneco a partir de uma pedaço de madeira, temos a forma em nossa mente, e tal forma na nossa mente será a causa formal que criará, quando atuarmos com nosso canivete na madeira, o boneco.
        Agora, a causa material tem a ver com o elemento externo, a própria madeira; sem ela como causa não faríamos o boneco. Todavia, se não botarmos uma certa energia em nosso canivete, nada acontecerá. Quando botamos nosso canivete para funcionar estamos mudando a madeira, transformando-a em boneco, e isso é a causa eficiente ¾ eficientemente causamos o boneco. Se o boneco ficar bom, que era de fato nosso propósito, que ele não desagrade nossos olhos, espelhando proporções agradáveis, isto só ocorreu por conta de um objetivo que tínhamos, uma finalidade, ou, em outras palavras, há aí uma causa final. Com os quatro tipos de causas, eis que então, causa-se o efeito: o boneco.
        Como em Platão, há uma teleologia nessa teoria aristotélica: tudo se movimenta buscando a perfeição. Todavia, se Platão tem as formas perfeitas para serem copiadas pelos elementos mundanos, Aristóteles tem em, cada objeto, um impulso que percorre quatro causas, sendo que a última busca a perfeição.

2 comentários:

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  2. No contexto discutido por você, o mundo das ideias para Platão era o mundo do início, do Bem, da Verdade, o mundo do Humano. — até que um ser supremo, Demiurgo, decidiu criar coisas a partir das mesmas, como as pessoas, as sociedades, os costumes, e assim por diante, ou seja, coisas imperfeitas.

    Para ele, qualquer compreensão adequada sobre as coisas do mundo sensível deveria abstrair as suas imperfeições e chegar até a sua essência, chegar até o seu ideal.

    Por exemplo: no mundo existem diversos tipos de pessoas – grandes, pequenos, claros, escuros, etc — mas apesar todos têm em si a essência do que é um homem. O mesmo raciocínio vale para os valores humanos sobre os valores humanos.

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